O FALSO INTELECTUAL E OS MORTOS DE LÍDICE

Jaroslav Seifert

Quando eu era um garotão, entre os 16 e os 18 anos, tinha uma forma inusitada de me divertir: fingia para os outros que era intelectual. Como? decorava nomes de livros , frases feitas, títulos e trechos de filmes de arte e etc. Baseado nesse aparato alegórico eu puxava assunto com os professores, entrava em discussões, sempre com o nariz empinado ostentando uma sapiência, digamos, cenográfica.
O local onde eu mais encarnava esse personagem era a "Livro 7" , lendária e gigantesca (diziam ser a maior do Brasil) livraria recifense, que durante anos foi o reduto da intelectualidade pernambucana. Numa das milhares de visitas que eu fiz a esse "templo sagrado", deparei-me com um círculo de senhores de meia-idade, bem vestidos, que discutiam sobre um tal de "Jaroslav Seifert". Fiz um breve recuo na memória e lembrei: o autor de "Os Mortos de Lídice", eu sei quem é esse cara e vou entrar na conversa! Um dos senhores falou: -"Por que será que ele ganhou o Nobel de literatura?" Eu aproveitei e respondi, já me intrometendo na conversa: -"Obviamente pelo extraordinário sucesso que 'Os Mortos de Lídice' faz até hoje! Todos pararam de conversar e me olharam seriamente. Um deles falou: -"Onde você leu o poema?" Eu suspirei e menti: -"É o meu preferido, conheci na faculdade (só ingressaria no mundo acadêmico 10 anos depois) num clube de poetas juvenis". Todos riram efusivamente e me ignoraram. Nunca entendi essa reação.
Relembrando esse episódio hoje, vejo que não deveria ter mentido quanto a forma como conheci o poema, a história real era bem mais interessante. Em 1984 eu assistia a tevê (programa Som Pop - TVU) quando dona Ivone, minha mãe, pediu-me que fosse comprar uma barra de sabão. Fui até a venda da esquina e comprei. O sabão veio embrulhado numa folha de revista (Veja) que trazia o poema e a biografia resumida do poeta tcheco "Jaroslav Seifert". Eu adorei o texto, os horrores da guerra transformados em poesia. Muito punk, pensei na época. O fato é que a força desses versos atravessou a minha vida e mora no meu imaginário. De vez em quando me pego lembrando de um trecho. Meus respeitos, senhor Seifert!
Os mortos de Lídice
A andorinha não encontrou seu teto,
Solta gritos de queixa, erra
Só há árvores negras, cá como lá
Cetros quebrados jorram da terra
E vocês, com o calcanhar na terra para o passo final,
Quando o caminho deságua na beira do precipício,
Vocês entram na sombra de braços abertos,
Como semeadores diante de sulcos vazios.
Ao menos a cotovia retorna para vê-los
Mais perto de vocês ela ouve melhor
O que somente os pássaros compreendem bem
Tu ouvirás talvez, em sua mensagem,
Cantar a terra que sacia o fundo
As bocas ainda cerradas de ira
Cantar a lápide deitada perto da trincheira
E os silêncios que sobre os seus nomes tombaram
Cantar a angústia dos tempos de raptos
Cantar o choro de lábios que brilham
Quando se desejava ser demente
Mas faltava tempo para a loucura
Cantar o terror ancorado no fundo do olhar
Quando vossas mulheres se colaram às portas
Como o náufrago se agarra a haste incerta
Já sem rumo para sua esperança morta
Cantar o instante de calmaria sublime
Quando resta um único suspiro
Cantar o esplendor de um povo glorioso
Sobre cujas tumbas vossos passos vão ecoar
Como outrora, lá ergue-se o cântigo
Da cotovia, ó calma eternidade
As rosas, as melancólicas rosas,
Mesmo elas foram pisoteadas .
Jaroslav Seifert
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Comments

36 Responses to “O FALSO INTELECTUAL E OS MORTOS DE LÍDICE”

Unknown disse...
17 de setembro de 2007 às 07:09

Parabéns pelo blog e vamos fazer deste espaço um templo da diversidade. Um forte abraço meu caro Ed. Em tempo: na lista dos filmes eu tiraria o Guerra nas Estrelas e colocaria Apocalypse Now de Francis Ford Copolla

Paulo Roberto disse...
19 de setembro de 2007 às 13:07

Muito bom teu blog Ed, super interessante e bem diferente do que existe por aí.
parabéns!

Deivid disse...
1 de abril de 2008 às 23:11

Nossa é verdade, antes eu me via assim, Era mais facil decorar as coisas pricipais que podemos nos interagir com professores ou pessoas que tem mais conhecimento.É mais nem tudo dura e nos um dia descobrem de uma forma inesperada.

já aconteceu isso comigo hehehe ^^


meu blogger visitem

http://deivid-pf.blogspot.com

Tiago Cardoso disse...
1 de abril de 2008 às 23:15

Essa forma de curtição pra mim eh nova;;;
hehehe

O interessante é que só por qrer curtir - tirar onda de intelectual - você acaba aprendendo pra valer...

Massa!

1 de abril de 2008 às 23:18

"A andorinha não encontrou seu teto,Solta gritos de queixa, erra
Só há árvores negras, cá como lá
Cetros quebrados jorram da terra
E vocês, com o calcanhar na terra para o passo final" - sombrio, mas muito bonito!

Anônimo disse...
1 de abril de 2008 às 23:28

No post abaixo do dia 31 de março vc escreveu no titulo: Renascendo da TRgedia.. esqueceu do A

Everaldo Ygor disse...
2 de abril de 2008 às 10:13

Olá...
O blog está cada vez melhor...
O texto, faz a gente refletir sobre o isolamento da academia e de seus membros...
E o Poema, lindo...
Abraços
Everaldo Ygor
http://outrasandancas.blogspot.com/

MaxReinert disse...
2 de abril de 2008 às 10:46

E como eu nunca ouvi falar nessa criatura vou ter que corre atrás pra não parecer mais ignorante do que sou!!!
eita!!!!

blog disse...
2 de abril de 2008 às 11:04

Sem dúvidas que a história original é melhor.
Muito melhor.

A questão é que todos nós já psssamos por isso: sem saber como lidar com a humildade, criamos uma imagem de nós que não existe.
Mas isso é bom porque nos faz crescer.
Tb passei por isso, claro.

A extinta Edinova publicou, nos anos 70 (início), "As Mãos de Vênus", que encontrei em sebo.
Vale.

(Esse poema eu não conhecia).

Abraço.

2 de abril de 2008 às 11:22

gostei do blog, por ser bem atual, o próprio nome já diz "jornália", posso dizer que seu blog é muito melhor do que muitos jornais por aí...Gostei das matérias, revelo que aprendi muita coisa vendo esse blog. Layout bem adequado com o blog!

www.futebolediscussoes.blogspot.com

Davi Arloy disse...
2 de abril de 2008 às 11:51

rsrs
Eu nao sabia que as pessoas perdiam tempo decorando coisas só pra fingir que eram intelectuais. hsuashua
Nao era mais facil estudar? rs

Abs

Climão Tahiti disse...
2 de abril de 2008 às 11:57

Esse poema me fez lembrar de um vídeo que ví no You Tube com soldados americanos torturando um filhote de cachorro. =/

Anônimo disse...
2 de abril de 2008 às 16:21

kkkk

Barra de sabão também é cultura! ;)

Parabéns pelo o blog.

Abraço!

Murilo Silva disse...
2 de abril de 2008 às 19:59

Conterrâneo, conheci agora o seu blog e saiba que a partir de hoje tens mais um leitor! Muito bom!
grande abraço!

Marcus Vinicius disse...
2 de abril de 2008 às 23:09

lol
muito interessante!
cara gostei!
um abraço

2 de abril de 2008 às 23:51

No final das contas você era um falso real, pois para se passar por falso, você lia e fazia muitas coisas de intelectual, então até chegava a ser realmente um. :]

http://badist.blogspot.com

Everaldo Ygor disse...
3 de abril de 2008 às 20:16

Olá...
Estou de volta, para admirar o belo poema de Jaroslav Seifert...
Abraços
Everaldo Ygor

http://outrasandancas.blogspot.com/

4 de abril de 2008 às 02:09

Adorei sua cinceridade......
Mas acho que todos nos ficamos frustados, quando somos pequenos e nosso universo de conhecimento é muito limitado...
parabéns gostei do blog

Katarina disse...
4 de abril de 2008 às 14:52

"As roas, as melancólicas rosas, mesmo elas foram pisoteadas".
Pois é, ED, mundo cão este...
Poema denso, muito mais pesado e significativo do que uma barra de sabão - o que é atpe irônico se vc pensar,rs.
Abraço.

www.pensamentossentimentosedevaneios.blogspot.com

4 de abril de 2008 às 16:48

Acho que todo mundo já passou por isso, principalmente quando quer encontrar seu "grupo". A gente quer estar por dentro pra acompanhar a conversa e, claro, mostrar que sabe mais do assunto; quando na verdade, temos que buscar as informações que realmente nos interessam, mesmo aquelas que não vão servir pra nada no futuro. Tipo uma relação passageira.

Marcus Vinicius disse...
4 de abril de 2008 às 18:35

passei pra agradecer a visita no meu blog!
cara mulheres são aas minhas musas,
lol
amo muito tudo isso!
hehe vlw
q bom q gosta doq eu escrevo!
um abraçoo

Caique Ribeiro disse...
5 de abril de 2008 às 00:45

adorei esse post
e os outros
o blog da massa

5 de abril de 2008 às 01:17

Adoro história, gosto muito de ler...porém o layout é meio pesado para quem quer ler mesmo...tente usar uma fonte menos bold e um fundo diferente desse verde.
Ops, lugar errado para dizer o que acha rs , na verdade o intuito era postar um coment né... Ok postado!

Anônimo disse...
5 de abril de 2008 às 01:20

Nunca ouvi falar deste poeta até este post.
Muito forte, porém, realístico. Ele consegue passar a aflição dos momentos delicados de uma "revolta".

Abraços e obrigado pela oportunidade.

Katarina disse...
5 de abril de 2008 às 13:14

Aquela música do Renato Terra cai como uma luva pra mim. Só que sou eu que levo fora..rs. Mas, em casos assim eu acabo apelando pra Fernando Pessoa e dizendo que "tudo vale a pena se a alma não é pequena"..
E olha só, parece que encontrei um pouco de sensibilidade nesse cético historiador ;-)
Obrigada pela visita, ED!!

cottidie disse...
5 de abril de 2008 às 14:22

muito forte este "os Mortos de Lídice"
agora, me saisfaça uma curiosidade:
os versos que estão em fonte diferente, são uma espécie de 'poema paralelo'?
observe:
Ao menos a cotovia retorna para vê-los
Cantar a terra que sacia o fundo
Cantar a angústia dos tempos de raptos
Cantar o terror ancorado no fundo do olhar
Cantar o instante de calmaria sublime


curioso, não?

Varda disse...
5 de abril de 2008 às 14:47

uahau,nossa,a verdade é bem mais interessante do que a da faculdade..uhu

o/
=**

Anônimo disse...
5 de abril de 2008 às 15:02

Sim, ele é fantastico!!
Quanto aos pseudos-intelectuaias, é oq ue mais tem por ai,rsss

5 de abril de 2008 às 20:18

OLHA,ESSAS FRASES SE ENCAIXAM PERFEITAMENTE, MAS NÃO CREIO QUE SEJA COM A INTENÇÃO DE CRIAR UM POEMA PARALELO.ACREDITO QUE SE VOCÊ QUISER PODERIA MONTAR VÁRIOS OUTROS POEMAS COM FRAGMENTOS DESSA OBRA.

Anônimo disse...
5 de abril de 2008 às 21:09

Cara, realmente a maneira que conheceu o poema foi muito interessante; e que poema; dessas coisas que a gente não esquece mesmo. O divertido é que imortaliza inclusive a humilde barra de sabão. abraço

6 de abril de 2008 às 12:18

engraçado e gostoso de ler. Adorei a poesia!

bjo
tania

Anônimo disse...
10 de abril de 2008 às 10:17

Sua história me lembrou algo que sempre escuto Jô Soares dizer: Existem pessoas que falam de livros famosos e tidos como "clássicos" apenas para dizerem que são cultas. E cita sempre "Ulisses" de James Joyce. Um livro chatíssimo que quase ninguém lê itegralmente, mas cita de cor alguns trechos para aparentar intelectualidade.
E isso acontece mais do que se possa imaginar...
Fico pensando na cara do pessoal na rodinha quando vc se afastou "com cara de bundão". (rs)

Anônimo disse...
18 de abril de 2008 às 00:51

Belo poema de Joroslav Seifert.

Veiga disse...
12 de dezembro de 2008 às 22:50

eh mt bom se fazer de intelectual!!

HUAshuAHSuhUAshAS

belo poema.

Veto disse...
5 de setembro de 2009 às 10:13

Oi Dindo, gostei do teu blog, passarei sempre que poder a visitá-lo, é muito divertido e principalmente informativo. Sim!! com relação ao "falso intelectual" acho que de 100% das pessoas que visitavam as estantes embevecidas de saber da Livro 07, 80% delas eram os tais falsos intelectuais ou iniciantes a intelectualidade – sem perder a conotação posta por você do desejo ilusório de impressionar -. Assim como você, eu e tantos outros anônimos que naquela época, entorpecidos pelo desejo premente da intelectualidade, aventuravam-se em tais ciclos. Hoje, é incontestável a importância de tais fatos na formação da nossa intelectualidade.
Um abraço cara.

Anônimo disse...
20 de novembro de 2009 às 17:00

Sim, provavelmente por isso e

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