
O cinema e a tevê costumam transformar os bandidos em heróis, isso todo mundo sabe. Muitos reclamam e alegam que esse tipo de culto incentiva crianças, e pessoas de índole fraca, a enveredar para o lado do crime. No Nordeste, esse tipo de discussão remete sempre à figura de Lampião. Herói ou bandido, o fato é que Virgulino Ferreira da Silva virou lenda assim como tantos pelo Brasil afora: Madame Satã, Lúcio Flávio, o Bandido da Luz Vermelha, Doca Street, Ronald Biggs, dentre outros.
Na história policial recente de Pernambuco, alguns nomes de criminosos que atuavam nas décadas de setenta e oitenta, viraram lenda nas crônicas populares. O grande Chico Science na canção “Banditismo por Uma Questão de Classe”, citou duas dessas lendas do crime: “Biu do Olho Verde” e “Galeguinho do Coque”. Lembro-me bem desses dois nomes que aterrorizaram o Recife quando eu era criança.
Biu do Olho Verde, um jovem de 17 anos, nascido nos Bultrins, periferia de Olinda, além de assaltante era torturador, gostava de submeter suas vítimas – na grande maioria, mulheres – a torturas que deixariam os roteiristas de “Jogos Mortais” no chinelo. Uma das histórias que contam sobre ele diz que, depois de assaltar uma mulher ele perguntou: “quer levar um tiro ou um beliscão?” Logicamente, aterrorizada pela possibilidade de ser baleada, a mulher optou por um beliscão. Ele, então, sacou de um alicate e arrancou os mamilos dos dois seios da mulher, que ficou agonizando de dor. O radialista Jota Ferreira, que fazia muito sucesso na época com um programa no rádio e na tevê chamado “Blitz, Ação Policial”, declarou ter-se encontrado com Biu do Olho Verde e que o mesmo desmentira todas as histórias envolvendo torturas com alicate. Em seu blog, Jota publicou uma declaração, atribuída ao bandido, que teria sido dada num encontro que os dois tiveram na década de 80:
“Jota, eu não sou 'fulêro'. Sou macho e esses cabras da Polícia são tudo maricas, 'tendeu'?...Num adianta, 'véi', tu ficar me xeretando porque tu não vai 'arrumá' nada, sacou? Num sei nem que danado é um alicate de unha, porra..! Nunca ameacei ninguém de beliscar os peitos se não me der dinheiro, 'tendeu'? Agora, já mandei uns cinco pro inferno, tá ligado?. Eu gosto de dinheiro e 'mulé'... e tem que ser boa, visse? 'Mulé' merda eu nem paro..! Pergunta às 'mulé' se eu maltratei alguma delas..!”
“Galeguinho do Coque”, que nasceu “Everaldo Belo da Silva”, começou a praticar pequenos furtos ainda adolescente. Assim como Biu, ele era diferente do esterótipo dos meninos de rua incutido na mente de quase todo mundo: menino negro ou mulato. Como o próprio apelido denunciava, ele era galego e muito “paquerado” pelas meninas. O que tornou o Galeguinho do Coque famoso foram as suas espetaculares fugas. Ele assaltava e fugia para o Coque, ninguém o encontrava. Em 1971, entretanto, ele foi preso e condenado. Na cadeia, converteu-se à religião evangélica e abandonou o crime. Apareceu na tevê várias vezes falando de Deus e maldizendo sua pregressa vida de crimes. Everaldo Belo mudou para o bairro Alto do Jordão, na periferia do Recife, onde abriu um pequeno comércio.
Muitos não acreditavam na regeneração de Galeguinho do Coque. Alegavam que ele usava a religião como disfarce. Alguns anos depois, foi encontrado morto num terreno baldio na cidade de Moreno. Ao lado do corpo, uma bíblia com as páginas centrais cortadas, escondia um revólver calibre 38. Várias versões foram cogitadas na época. Houve quem dissesse que a cena foi armada para justificar a execução dele. O fato é que a saga desse meliante virou lenda e mora no imaginário de muita gente que viveu nessa época.