
Meu primeiro dia de aula virou fábula entre os amigos. Já contei essa história um milhão de vezes. Cheguei um pouco atrasado e na pequena sala decorada com notas e claves, já estava uma meia-dúzia de alunos. Estranhamente, ninguém sentado em frente ao birô do velho mestre. Todos bem localizados em lugares afastados. Achei que era medo da aula e resolvi sentar na primeira fila. Ouvi alguns risinhos disfarçados mas permaneci impávido, prostrado diante do birô à espera do mestre.
Alguns minutos depois, entra o velho maestro com a aparência debilitada e mãos trêmulas. Depois de uma breve apresentação ele nos convidou à primeira aula de solfejo: “Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, Dó – Dó, Si, Lá, Sol, Fá, Mi, Ré, Dó”. O breve cantarolar dessas notas jogou no meu rosto uma brisa etílica que me deixou enebriado, quase bêbado. Sentei-me duas fileiras atrás e contemplei, debaixo dos disfarçados risos dos outros alunos, o restante da aula.
Minha passagem pela escola da Banda de Frevos do Nordeste foi breve, mas percebi o quanto o dom é importante. Enquanto eu, literalmente, brigava com meu violão para aprender os primeiros acordes, via o jovem Carlos, ex-menino de rua, que depois de alguns meses em contato com o instrumento, passou a dar aulas (e shows) na escola. Que ódio! Brigo com o violão ( e com a guitarra) até hoje, menos do que devia, é certo. Ficamos um pouco mais íntimos, mas o tal do dom, esse me ignorou desde o nascimento.
Abaixo, um vídeo raro em que o velho mestre rege uma orquestra que interpreta o grande frevo "Cabelo de Fogo".