
Quando era garoto, um dos meus maiores divertimentos era, aos sábados, ir trabalhar com meu pai. Na verdade não ia trabalhar, apenas o acompanhava e aproveitava para me divertir nas ruas do bairro de São José. Aos que não são do Recife: esse bairro é um reduto tradicional da boemia recifense, localizado no coração da cidade. Absolutamente tudo nesse bairro funciona em função do Mercado de São José, um ponto histórico bastante visitado no Recife, apesar do abandono.
Mas eu falava da minha infância. Quando era garoto adorava o bairro porque era um reduto de personagens inusitados. Tinha um vendedor de picolés que vendia seu produto, literalmente chorando, pedindo pelo amor de Deus para as pessoas comprarem. Tinha um vendedor de palitos de dentes que se queixava: “que negócio de corno o meu. Quem vai comprar palitos de dentes, o povo não tem o que comer”. Mas, entre tantos personagens inusitados, ninguém se compara a Liêdo Maranhão. Nascido ali mesmo no bairro de São José (1925), ele se auto intitula “um escriba do povo”. Liêdo é ácido, captura apenas o lado anárquico do povo.
Hoje em dia o velho escriba, aos 83 anos, conserva uma lucidez de dar inveja. Não mora mais no bairro de São José, vive hoje em Olinda. Lançou uma dezena de livros narrando causos e acontecimentos do cotidiano do Recife, sobretudo do seu bairro natal. Outro dia, num programa de rádio famoso aqui do recife, falava ele ao radialista Geraldo Freire sobre seu último livro, que estava em fase de acabamento: “estou escrevendo o último capítulo falando sobre todos os gays com quem transei”.
Liêdo não gosta de ser chamado de escritor, sempre acentua isso. É uma figura adorada na Praça do Sebo onde, carinhosamente, o chamam de “pau dormido”. Dizem que quando gritam esse constrangedor apelido, puxa do bolso uma caixa de Viagra. Termino com historinhas narradas pelo “escriba dos excluídos”:
“Eu não escrevo livros, gosto de ouvir o que o povo fala e me aproveito disso. Outro dia eu estava num ônibus e uma mulher perguntou ao motorista: ‘Qual a última parada? ’ Ele respondeu: ‘É a cardíaca!”
“Outro dia vi o pastor José Luiz, na Praça Joaquim Nabuco, pregando o evangelho: “Paulo disse: ‘Bom seria que o homem não tocasse em mulher’. E agora estão dizendo que Paulo era bicha!”...
Liêdo Maranhão por ele mesmo: “– Sou Liêdo Maranhão de Souza, nascido em 3 de julho de 1925, no Recife, bairro de São José. Sou dentista e esquizofrênico cíclico, como um amigo psiquiatra já me disse. Sou poliglota: falo espanhol, francês, e falo gago também” (em entrevista concedida a Urariano Mota)
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