No
último dia 05 de setembro, acompanhei pela Rádio Jornal aqui de
Recife, o ótimo debate intitulado o “Poder dos Livros”.
Participaram do programa o publicitário José Nivaldo Júnior, o
jurista José Paulo Cavalcanti Filho e o livreiro Tarciso Pereira,
que foi dono da lendária “Livro 7”. O debate foi maravilhoso e
muito instrutivo. A certa altura, o professor José Paulo Cavalcanti
Filho socializou uma de suas muitas experiências com o maravilhoso
universo de Fernando Pessoa:
“Há
um verso de Fernando Pessoa, um dos mais citados dele, que eu sempre
achei que estava errado. O verso diz o seguinte: 'O poeta é um
fingidor, e finge tão completamente que chega fingir que é dor a
dor que deveras sente'. Eu sempre achei que o verso estava errado
porque ninguém pode fingir que é dor a dor que deveras sente, uma
dor que sente de verdade... você vai nos literatos, tem cinquenta
páginas para explicar esse verso.
Eu estava numa obra com um amigo
meu e um pedreiro virou-se pro outro e disse: 'fulano traz a areia de
fingir'... Eu contei os minutos e fui mais cedo para casa para ver
nos meus dicionários de latim o significado do termo 'finger'.
Descobri que além de fingir é também construir, outra acepção.
Eu descobri a partir de um pedreiro que isso era apenas uma
brincadeira de Pessoa, ele usou fingir no sentido de construir: 'O
poeta é um fingidor (um construtor) e finge (constrói) tão
completamente que chega a fingir que é dor (construir a dor) a dor
que deveras sente'. É uma pequena descoberta”.
A
experiência compartilhada pelo professor José Paulo mostra que o
conhecimento está em toda parte sem, muitas vezes, ser percebido.
Outro grande momento do debate foi a revelação feita pelo livreiro
Tarciso Pereira sobre a segregação praticada pela CâmaraBrasileira do Livro quando seleciona os títulos que serão expostos
nas diversas feiras pelo mundo afora. Disse ele:
“Eu
fui várias vezes as feiras de livros na Europa e fui mais a
Frankfurt porque é a maior feira de livros do mundo. Chegando lá
pela terceira vez, mais ou menos, eu procurei a comissão
organizadora para mostrar para eles que o stande do Brasil, apesar de
ser um stand de mais de trezentos metros, não tinha o Brasil num
todo. A princípio eles acharam estranho porque quem organizava e organiza até hoje, é a Câmara Brasileira do Livro, mas eu
mostrei para eles que existia um outro Brasil que não estava ali, o
Brasil Norte-Nordeste. Eu conversei um pouco mais e eles pediram que
eu mandasse um projeto dessa minha ideia.
Chegando no Brasil eu não
fiz nem um projeto, apenas uma lista mostrando a produção do
Nordeste, os autores e enviei. Quinze dias depois veio a resposta. O
governo alemão bancou toda a minha ida a Frankfurt, já tinha um
espaço reservado e eu levei 150 títulos... Eu fiquei nesse stand na feira, expus 150 títulos nordestinos, desde Jorge Amado ao mais
novo poeta. Começou a chegar brasileiros e estrangeiros achando
estranho aquele stand não fazer parte do espaço brasileiro. Eu tive
que explicar para eles que era um outro Brasil que estava ali”.
É
assim que tem que ser, diante do que você acredita ser uma
injustiça, lute para que esta não se perpetue. Se Tarciso silenciasse, fosse conformista, muitos autores do “outro Brasil”,
não teriam direito a participar de um espaço tão importante que
representa – ou deveria representar – o seu país. Termino esse
post com mais uma contribuição do professor José Paulo sobre as
brincadeiras de Fernando Pessoa. Crítico ferrenho do Salazar,
escreveu o poeta: “Esse senhor Salazar, é feito de sal e azar, se
um dia chove a água dissolve o sal e sob o céu fica só o azar, é
natural”.