Quem
conhece a história da cidade do Recife, sabe que a ocupação desse
território de várzea se deu de forma desordenada e através de
muitos aterros. A cidade sempre apresentou graves problemas urbanos
por conta desse passado sem planejamento. Nas décadas de 60 e 70
(século XX) ocorreram muitas enchentes. A de 1975 teve proporções
devastadoras. O rescaldo dessa tragédia foram as epidemias de
doenças ligadas à falta de saneamento básico. Dados dessa época
mostram que, de cada dez residências, apenas três tinham água
encanada.
Quase
todo bairro da periferia tinha um chafariz (um estabelecimento que
vendia água, diferente do chafariz de praça). A distribuição de
água era feita em carroças puxadas a cavalo. Essa é uma realidade
de apenas trinta anos atrás. O carroceiro ia de porta em porta e
vendia a água em latas (de manteiga ou de tinta adaptadas como
recipientes) de 20 litros, com um suporte de madeira que servia de
alça (foto acima). A mão suja do trato com o cavalo da carroça
entrava em contato com a água. Essa conjugação de fatores ajudava
a disseminar doenças pela periferia.
Água
encanada era um luxo. Por conta disso, de tempos em tempos, a
secretaria de saúde realizava vacinação em massa. Quase todo
morador da periferia (e de muitos bairros nobres do Recife) ostentava
uma marca de vacina no braço. Os agentes da SUCAM (Superintendência
de Campanhas de Saúde Pública) eram vistos pelas crianças como
terroristas. Chegavam aos bairros sempre depois das 22h (a filariose
ataca nesse período noturno) para fazer exames. Eram chamados de
“fura dedo”. No final da década de 70 o governo de Pernambuco,
enfim, popularizou o acesso à água tratada. A malha de distribuição
de água foi ampliada. Os chafarizes foram abolidos. Entretanto, 25
anos depois do quadro acima descrito, o “Modelo Chafariz” voltou
a ser utilizado na Cidade do Recife. A água tratada não é de boa
qualidade, o gosto é horrível.
Os
pernambucanos, sobretudo do grande Recife, passaram a consumir água
mineral. A partir da década de 90 Recife passou a ser a cidade, no
Brasil, que mais consome água mineral engarrafada. E o tal “Modelo
Chafariz”? Bem, a carroça foi substituída pela bicicleta e pela
moto. A lata de 20 litros foi substituída pelo garrafão de plástico
(também de 20 litros) e o chafariz deu lugar às grandes fontes
distribuidoras. É a renovação de um velho serviço. Água para
quem tem sede!