Ontem, assistindo a tevê, vi um belo depoimento do Tremendão Erasmo Carlos. Falou da vida com muita propriedade e segurança, mostrando-se satisfeito com as escolhas feitas ao longo do seu rico caminho. Como de costume, soltou algumas pérolas da sua filosofia urbana. A certa altura, mandou essa: “O que mais aproxima agente de Deus é a música e o orgasmo”. Estou no céu, refleti.
Entretanto, o que mais me chamou atenção no breve relato do velho roqueiro – sim, ele é um dinossauro do rock brasileiro – foi a profunda mágoa, que ele deixou transparecer nas entrelinhas, que ainda sente contra o pessoal da Bossa Nova. O preconceito contra os integrantes da Jovem Guarda sempre existiu, todo mundo sabe. No auge do movimento diziam que eles eram alienados porque não faziam música de protesto. Com o passar dos anos foram taxados de bregas. Sempre foram contestados.
O discurso de Erasmo revelou a mágoa quanto à segregação – musical e social – que existia no Rio de janeiro da década de 60. Ele, um jovem oriundo do bairro da Tijuca, passou a se enturmar com a o pessoal da Bossa Nova através do agitador cultural Carlos Imperial. Passou a frequentar as coberturas da Barra e de Copacabana, mas tinha que seguir a risca as orientações do mestre Imperial: “Não fala pra ninguém que você canta rock, senão eles vão te crucificar”, revelou.
Erasmo franziu a testa para dizer que os abastados da Bossa Nova não se misturavam com a turma da Tijuca. Dirão alguns: “Essa é uma realidade social atual”. Sim, é, mas os movimentos musicais da periferia e fora do que os donos da mídia acham correto, ganharam voz com a facilidade e a voracidade da circulação da informação. O jovem Erasmo Carlos, hoje em dia, não precisaria fingir, omitir sua origem e seus gostos. O abismo social continua, talvez tenha até aumentado, mas a música, ou qualquer outra manifestação artística, chega aonde quer hoje em dia.
Alvissaras, o velho roqueiro continua vivo, ensinando e declarando seu amor ao bom e também velho rock n roll, confira: