Cá
estou procurando palavras para escrever sobre uma tragédia que todos, absolutamente
todos, já esperavam, mas quase ninguém fez nada para evitar.
A
violência que tomou conta do futebol, há muito, vem sendo tratada com panos
quentes, com medidas paliativas e muita falta de vontade. Os dirigentes dos clubes, é sabido, têm
ligações com esses grupos que foram estabelecidas a partir de um escambo político. As organizadas ajudam a eleger os cartolas –
no clube e em cargos políticos – e ganham regalias: passagens
aéreas, estadias em hotéis e ingressos.
Em
alguns clubes essa relação é ainda mais estreita dada a origem de alguns
dirigentes. O Santa Cruz é um triste exemplo. Um ex-integrante de torcida organizada chegou
a presidir a entidade. Outro, atualmente, exerce um importante cargo no
departamento de futebol.
O clube, em resumo, tornou-se uma extensão das torcidas organizadas. Os valores foram se invertendo com o passar
dos anos. Os grupos criaram seu próprio emblema, montaram sede e passaram a
ganhar dinheiro consignando o amor que os torcedores - os mais jovens, na
maioria – devotavam para o time. A criatura, como em outras tantas histórias
conhecidas, tornou-se mais poderosa do que o criador.
As
organizadas tiraram muitos direitos adquiridos pelos torcedores de verdade: não
se pode mais entrar nos estádios com pau de bandeira, não se pode andar nas
ruas com a camisa do clube, não se pode andar de ônibus em dia de jogo, não se
pode colar o escudo do time no carro, a hora de sair do estádio é determinada pela polícia. Viramos reféns!
O
dia da tragédia
Eu
tinha os ingressos na mão, mas o tempo, excessivamente chuvoso e minha dolorosa
coluna diziam não. Uma hora antes do início da partida decidi ir, o amor
pelo clube falou mais alto. Nem parecia dia de jogo. Lugar de sobra para
estacionar, ruas desertas e estádio praticamente vazio. Um punhado de heroicos torcedores viu o Santa
Cruz empatar com o Paraná debaixo de um temporal. Sai do estádio tranquilamente e só fiquei
sabendo da tragédia pela internet, quando cheguei em casa.
Por
que não vi a violência? Porque ela tem
um enredo no qual eu - e tantos outros – não me enquadro. Quem vai para brigar,
sai um pouco antes do final da partida e se posiciona nas praças de guerras
conhecidas por todos. Os torcedores de
verdade, sabedores dessa realidade, tratam de desviar desses caminhos e voltam para casa o mais cedo possível. Em geral, as notícias dos conflitos e as
contas da depredação são conhecidas através da imprensa.
O
ônus da tragédia
Um clube sucateado como o Santa Cruz vive da renda proporcionada
pelo amor dos torcedores. A morte do torcedor do Sport interditou o Arruda e
pôs medo em muita gente que frequenta estádio, eu, inclusive. A única
fonte de renda do clube foi gravemente afetada. Mas, o que é tudo isso diante
da perda da vida de um ser humano? Nada. Quem perdeu tudo foi o Paulo. A
vida é um sopro, não se pode brincar com isso. Desde ontem quando tomei
conhecimento dessa tragédia fui tomado por um sentimento que eu nem sei descrever.
Tristeza, talvez. E essa tristeza aumenta com a certeza de que dificilmente
alguma coisa vai mudar. Luz para esse rapaz que se foi é tudo que eu peço.