Por esses dias tenho me dado a um desfrute que classifico como um dos mais prazerosos: caminhar pelo centro do Recife. Normalmente, meu ponto de partida é a Conde da Boa Vista, ali na altura do Mustang. Para quem não é da cidade, esse trecho é uma área de comércio efervescente, durante o dia, e de boemia, à noite.
Os céus da Boa Vista ganharam um novo adorno: uma passarela que liga um pequeno shopping ao seu mais novo anexo. No começo estranhei, mas na primeira vez que cruzei o elevado fiquei maravilhado com o visual lá de cima. Na minha opinião, a passarela foi pensada para um fim e servirá para outro. É um belo mirante para se contemplar essa grande artéria que cruza o coração do Recife.
De volta ao chão, dirigi-me a rua da Conceição, uma paralela da Conde da Boa Vista, conhecida por reunir um número incontável de antiquários e leilões. É um lugar poético. Passei apenas alguns minutos, tempo bastante para comprar uma estante, minhas quinquilharias – devedês, cedês, livros, coleções de revistas e etc – crescem numa velocidade assustadora. Consumada a compra, segui em direção à praça Maciel Pinheiro. Passei em frente ao casarão onde morou Clarice Lispector, hoje reformado. Isso é o que encanta na cidade, cada trecho tem uma história particular.
O único ponto negativo nesses passeios, é observar locais que no passado representavam muito e hoje em dia não existem mais. Triste passar na José de Alencar e não ver mais a “Alegro Cantante”, lendária loja de discos e ponto de intelectuais. Fazem falta também: a Disco Sete, a Livro Sete, o Mausoleum, a Banca do Elvis, os cinemas do centro, sobretudo, o Art Palácio. O Cine São Luiz ainda está na ativa, mas não o estão tratando com o devido respeito.
Sou assim, uso e abuso do melhor – as vezes, do pior – da minha cidade. Abaixo, os poetas falando do meu Recife:
Restos de Carnaval - Clarice Lispector
“Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu”.
Frevo Nº 03 do Recife – Antônio Maria
“Sou do Recife com orgulho e com saudade
Sou do Recife com vontade de chorar
O rio passa levando barcaça pro alto do mar
Em mim não passa essa vontade de voltar
Recife mandou me chamar”.
Evocação do Recife – Manuel Bandeira
“Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritzstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
- Recife das revoluções libertárias”
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância”
Recife Cidade Lendária – Capiba
“Recife, cidade lendária
De pretas de engenho cheirando a banguê
Recife de velhos sobrados, compridos, escuros
Faz gosto se ver
Recife teus lindos jardins
Recebem a brisa que vem do alto mar
Recife teu céu tão bonito
Tem noites de lua pra gente cantar”
Tarde No Recife – Joaquim Cardoso
“Recife romântico dos crepúsculos das pontes.
Dos longos crepúsculos que assistiram à passagem
[dos fidalgos holandeses.
Que assistem agora ao mar, inerte das ruas tumultuosas,
Que assistirão mais tarde à passagem de aviões para as costas
[do Pacífico.
Recife romântico dos crepúsculos das pontes.
E da beleza católica do rio”.