Fui
aluno de escolas públicas aqui do Recife, nas décadas de 70 e 80,
em plena ditadura, no período mais negro. Dois detalhes desse período
da minha vida povoam o meu imaginário: as dificuldades e a
organização. Peguei a fase em que a escola pública começou a
perder o brilho e mergulhou num processo de decadência.
Absolutamente tudo era complicado nessa época. Até para merendar era
difícil. Lembro-me que a professora pedia colaboração dos alunos
para que a merenda saísse com qualidade. Levávamos verduras,
temperos, coisas de cozinha. Cada um contribuía com o que podia para
beneficiar a coletividade.
Esse
modelo primário de socialismo entrava em cena sempre que o governo
atrasava o envio da merenda. Tínhamos que comprar os livros e todo o
material escolar. Pagávamos uma taxa que eles chamavam de “Caixa
Escolar”, quem era inadimplente tinha dificuldades em renovar a
matrícula. O Estado também não fornecia fardamento. Chegava nas
escolas um bolso – isso mesmo, um bolso de pano – com o brasão
do Estado pintado. Os pais dos alunos mandavam confeccionar o
fardamento (em geral, feito de tergal) onde o famigerado bolso era
aplicado.
Contraditoriamente,
esse quadro de extrema dificuldade não se configurava no caos que se
pode imaginar. As dificuldades eram contornadas com a organização.
O controle da frequência era feito com uma caderneta individual que
era entregue na entrada, carimbada e só devolvida na saída. Os
alunos com problemas de indisciplina, tinham como punição, compor o
quadro de alunos colaboradores. Algo parecido com as detenções dos
colégios americanos.
O
mais importante dessa época, sem dúvida, era o respeito que ainda
existia pela figura do professor. A escola foi se deteriorando e
acabou desgastando a relação professor-aluno. Talvez seja porque nessa época
não existiam leis paternalistas, super protetoras, que são tratadas
como modernas mas geraram uma ideia de que o jovem pode tudo enquanto
for menor de idade. E pode mesmo: eles batem em diretores, depredam
escolas, agridem professores, colegas. Os que defendem o ECA odeiam
ouvir isso e puxam de suas pastas uma infinidade de colocações que
começam com o famoso “não é bem assim” mas acabam produzindo
discursos estéreis que mostram que “é bem assim” sim. Quem vive
as agruras de enfrentar – o termo é esse mesmo – salas lotadas
totalmente desinteressadas sabe do que estou falando.
Enquanto
existirem leis que tornam os jovens menores de idade imunes a tudo e
a todos, não acredito que o quadro mude. A educação continuará
caminhando para o buraco e a turma do “não é bem assim”
ganhando dinheiro com palestras e livros.
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