Aproxima-se
o dia primeiro de maio e eu, um quase workaholic, lembrei-me de um
emprego que mudou minha vida. Não, não estou me referindo ao duro
ofício de docente, falo da época em que era metalúrgico da
indústria automotiva. Cresci bastante no curto espaço de tempo que
trabalhei numa montadora de automóveis. Aprendi sobre a vida e
acabei dando uma guinada.
No
início da década de noventa eu estava mergulhado numa crise
existencial braba, mal saia de casa. Tudo que eu fazia dava errado,
sobretudo no campo profissional. Sem que eu procurasse, caiu em
minhas mãos uma ficha de inscrição da Autolatina (conglomerado
automotivo que reunia a Ford e a Wolksvagem) aqui de Pernambuco. Era
o meu cavalo selado passando e eu tratei de montá-lo. Em poucos dias
comecei a perceber que para progredir naquele concorrido universo
tinha que voltar a estudar. Percebi também que as pessoas que
detinham o nível superior ganhavam mais e eram tratadas (na empresa) com mais
respeito. Decidi, então, que entraria para essa turma “dos
respeitados”.
Voltei
a estudar e, com relativa facilidade, consegui ingressar numa
universidade pública. Lembro-me como se fosse hoje. Quando fui
trabalhar com a cabeça raspada, meus amigos lá da fábrica me
tratavam como um herói. Passou na Federal? Ouvia sempre essa
indagação do pessoal por lá. Bem próximo do local da fábrica
tinha uma pequena faculdade na cidade do Cabo de Santo Agostinho, a
FACHUCA. Ouvia, então, a preconceituosa pergunta: “Passou na
FACHUCA, não foi?”. Eu respondia, não, na Federal. Nessa época,
um aluno oriundo de escola pública ingressar numa universidade
pública era um grande feito. Não existiam as facilidades de hoje.
Minha
vida mudou na medida em que eu comecei a estabelecer metas. Queria
ser encarregado, um cargo que exigia nível superior e tinha um
salário que era quase o dobro do que eu ganhava operando uma
monstruosa máquina injetora. Não cheguei a concretizar esse sonho,
felizmente. A empresa enfrentava uma época de crise. Empregados e
patrões viviam num embate interminável. Eu, com meu eterno espírito
rebelde, participava ativamente dessa luta. Num belo dia, quando
chegamos para trabalhar, encontramos espalhados pela fábrica um
panfleto muito bem escrito que trazia citações de Marx e Brecht. O
conteúdo era espetacular, versava sobre como o patrão se apropriava
da mais valia e enriquecia às custas do operário.
O
panfleto terminava com uma citação do Brecht que carrego comigo até
hoje: “Não diga tudo bem diante do inaceitável a fim de que este
não passe por imutável”. Já citei essa frase inúmeras vezes em
outras postagens. Aprendi demais com esse simples panfleto. Inclusive
tive a honra de ter sido acusado de ser autor do mesmo. Não
escrevi o texto, não teria tanta competência, mas entrei para
lista negra das “personas non gratas” do chão de fábrica.
Operário que pensava e frequentava a universidade era demais.
Mudaram-me de função diversas vezes até que fui trabalhar numa máquina
ao lado de um velho operário, seu “Ênio”. Quando ele percebeu
que eu desempenhava a função – quase braçal – melhor do que
ele, tratou de minar a minha vaga. Acabei sendo demitido por uma
sabotagem dele.
Na
época fiquei enfurecido, queria até brigar. Mas percebi, há tempo,
que minha vida havia entrado nos eixos eu tinha que seguir adiante.
Seu Ênio deve ter se aposentado naquela rotina e ajudou-me, sem
saber, a subir degraus. Aprendi.