A partir da segunda metade da década de 80 (século XX), os cinemas do Recife (assim como no resto do Brasil) entraram em processo de extinção. Fui um frequentador contumaz das salas de exibição do centro. Cada cinema tinha seu charme especial, um detalhe particular que o outro não tinha. Essas pequenas diferenças produziram tribos urbanas que elegiam esse ou aquele cinema como preferido.
Os irmãos gêmeos Astor e Ritz, localizados na Visconde de Suassuna, tinham fama de elitizados. E eram mesmo. Lembro que nessas duas salas sempre tinha um clássico em cartaz. O Veneza, localizado na Rua do Hospício, era a sala hi-tec. Foi o primeiro cinema do Recife a utilizar sistema de som estéreo. Fui testemunha ocular, quero dizer auditiva, desse avanço. Na exibição do musical “Xanadu”, que mostrava a inusitada parceria entre Gene Kelly e Olivia Newton John, os efeitos sonoros causaram espanto na plateia. O Cine Veneza tinha uma curiosidade: estava localizado no térreo de um prédio que nunca foi utilizado, diziam, por problemas na execução da obra. Paradoxalmente, o cine hi-tec funcionava no prédio condenado.
O Cine Moderno, localizado na Praça Joaquim Nabuco, ao lado do tradicionalíssimo Restaurante Leite, tinha a mais bela sacada. O Moderno era um cinema com cara de cinema. No cruzamento da Rua da Palma com a Matias de Albuquerque, localizava-se um dos meus cinemas preferidos: o Art Palácio. Era o cinema dos jovens e o único do centro que não pertencia ao grupo Severiano Ribeiro. Por essa razão, ao invés do noticiário “Atualidades Atlântida”, assistíamos ao “Canal 100” nos intervalos. Por trás do Art Palácio, já na Av. Guararapes, localizava-se o cinema que eu menos curtia, o Trianon. Fui poucas vezes a essa sala. Lembro-me de ter assistido ali ao inesquecível “Califórnia Adeus”, com Giuliano Gema.
Na Av. Dantas Barreto, no 13º andar do Ed. AIP, localizava-se o minúsculo Cine AIP. Era o cinema com a melhor vista e o melhor serviço. Tinha um belo bar com vista para o Atlântico. A decoração da sala era muito bonita. Vários pôsteres em preto e branco de ícones do cinema mundial. O AIP era muitíssimo parecido com um multiplex. Ali eu assisti ao musical “Grease”, com John Travolta e Olivia Newton John. Na Praça do mercado de São José, localizava-se o Cine Glória, único cinema do centro que eu não frequentei. A praça do mercado ficava deserta nos finais de semana e, mesmo na década de 80, era perigoso circular por ali.
No bairro de Afogados, perto do centro, localizava-se o Cine Eldorado, um dos poucos cinemas de bairro pertencentes ao grupo Severiano Ribeiro. Foi o primeiro cinema que frequentei. Meu primeiro filme foi King Kong, com Jessica Lange. Por estar localizado próximo a minha casa, foi a sala que eu mais frequentei.
Finalmente, na Rua da Aurora, próximo da Ponte Duarte Coelho, diante do Capibaribe, LOCALIZA-SE o meu cinema preferido, o São Luiz. Sim, localiza-se, ele resistiu bravamente ao tempo e ao “efeito sexo e caratê”. O primeiro sinal que determinava o início do processo de decadência de um cinema, no final da década de 80, era quando ele começava a exibir filmes de sexo e caratê em sessões alternadas. Era como um selo de falência. O Cine São Luiz foi o último a ser fechado, mas a sua belíssima sala não foi desativada. O espaço permaneceu inativo desde 2005 e passou por várias promessas de reformas que não se concretizaram. Finalmente, esse ano, a FUNDARPE tombou a sala e decidiu criar ali um espaço cultural. No dia 28 passado, o cinema foi reaberto – apesar das quedas de energia – com a exibição do longa pernambucano “O Baile Perfumado”. O São Luiz teve uma trajetória inversa à da maioria dos cinemas que, depois de fechados, viraram templos religiosos. Ele nasceu no local onde antes funcionava uma igreja protestante. O processo de tombamento da Fundarpe descreveu assim o cinema:
“O vestíbulo externo de acesso ao cinema conta com duas bilheterias e pé direito duplo, enfatizando, assim, sua monumentalidade, que é também ressaltada pela existência das vistosas galerias que envolvem grande parte do edifício. O acesso ao cinema acontece por meio de esquadrias de vidro, que dão acesso a um hall principal com rico tratamento arquitetônico, à base de materiais nobres tais como o mármore, vidros espelhados e bronze, enfatizando, assim, o luxo das funções ali instaladas.
Neste ambiente o piso e as paredes são revestidos de mármore branco; as esquadrias e portas são de madeira fosca; nas paredes laterais são fixadas grandes lâminas de espelhos em tom cobre e de frente um belíssimo painel de Lula Cardoso Ayres; as luminárias e barras de proteção da esquadria de acesso e do painel de Ayres são fabricadas originalmente em bronze; e os sanitários que, originalmente, eram revestidos em azulejo preto, (...)
O interior do cinema é decorado com pinturas e trabalhos em alto-relevo em tons dourados, vermelhos e esverdeados, inclusive no teto, e painéis laterais que remetem a trabalhos feitos a ouro. (...) A decoração conta ainda com brasões espelhados, dispostos de par em par”. Seguem algumas imagens do Cine São Luiz:
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Vista interna do São Luiz depois da reforma

Foto do Cine São Luiz no lançamento do
filme "Alien, O Oitavo Passageiro", 1979

Hall de entrada do São Luiz

Sala de espera do segundo pavimento

Fachada do São Luiz em 2005